segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Do fingimento


Será a inveja, como já se disse, a qualidade mestra da tribo lusitana!? Talvez sim, talvez talvez …
Mas como encarar o tão vulgar “fazer de conta”, o “parecer”, o “fingimento”!?
Pedro, o rei cru, desenterrou a linda Inês para enfiar a coroa de rainha na cabeça do cadáver pestilento, os nobres e a corte toda em vénia muda. Fingimento em excesso.
O rei Sebastião, esse, foi a Marrocos dar-se em desfile de magnificência suicidária e luxo festivo, a fingir-se capitão herói da cristandade. Décadas depois, outros fingidos sebastiões aparecem a esmo, em Espanha, Roma …
E o Oliveira Salazar a fingir comandar um império colonial, contra tudo e todos!...
E o poeta a reconhecer ser tão fingidor até “fingir a dor que deveras sente”! Mais os seus “fingidos” poetas Campos, Rei, Caeiro, Soares …
O fingimento assalta-nos a cada esquina. Hoje, como sempre, sabem do que estou a falar.

Vasco de Castro

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Heranças do Fascismo

O cineasta José Vieira escreveu uma Carta Aberta à SPA – sociedade Portuguesa de autores, onde protesta violentamente sobre direitos de autor que lhe são exigidos por imagens de filmes de propaganda do Estado Novo salazarista, do ultra fascista Lopes Ribeiro, autor de “A Revolução de Maio”, a integrar no filme que prepara. Vieira diz que a SPA “devia ter vergonha de pedir direitos de autor sobre filmes que fazem a apologia de um homem que fez luto nacional pela morte de Hitler, que apoiou Franco e copiou Mussolini.”O filme de Vieira “Le printemps de l’exil”, sobre desertores e refractários portugueses no Maio 68, vai ficar incompleto… O cineasta, que vive em Paris, terá que entender melhor o país onde nasceu. E onde, existe a SPA, associação que gere lucros. O dinheirinho, dizem, não tem ideologia. Ou terá?!...

Vasco de Castro

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Os portugas em Paris

O exílio português em Paris, uma constante da nossa história ao longo dos séculos, é o tema de “Les portugais à Paris”, de Agnés Pellerin, edições Chandeigne, Paris, 09.
Trata-se de um laborioso estudo, muito documentado, com múltiplas referências a factos e pessoas, no correr dos tempos e nos bairros parisienses. Sabe-se que Paris foi um lugar eleito para as élites portuguesas, fugindo a perseguições e para “respirar Europa”. Na década de 1960 atraiu um fluxo imenso de jovens desertores e refractários da guerra colonial e, sobretudo, uma inesperada emigração económica, em substituição dos destinos tradicionais e Brasil e África. Li com prazer e conhecimento de causa, onde não abundam estudos e memórias, sequer a nível romanesco.
Lamenta-se o descuido na revisão do texto, com erros factuais, referências incompletas, muitas omissões … Escrevi anotações e correcções que enviei à autora, para o endereço do editor. Não lhe chegou às mãos, por certo, já que a minha cortesia não mereceu qualquer resposta.


Vasco de Castro

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Vernissage na Ler Devagar – LX Factory



Assim foi, 5ª feira, à noite. Desenhos e pinturas.
Não se dançou até de madrugada … porque a orquestra de tangos contratada em Buenos Aires perdeu o avião, foi uma pena. Tudo se recuperou com algum vinho tinto, acepipes, dois dedos de conversa, e meia hora de música do excelente João Sol, que veio expressamente de Évora, onde estuda e trabalha.
METAFOTOS II, é o título do concerto de João sol, exercício intenso de sons novos e voluptuosos criados a partir de fotografias e ainda desenhos de projectos do arquitecto João Vasco.
Aqui fica o reconhecimento grato, ao talento e à generosidade de João Sol, um amigo. À Dr. Rita Marta, da “Ler Devagar” e todos da LX Factory, impecáveis. E, ainda, ao Tiago Salazar, jornalista jovem que se afirma, cujo entusiasmo e energia se deve a exposição. A ideia e a organização pertencem-lhe. Reconhecimento para sempre.

A corrupção é a vida!

A hora é grave, o tema é sério.
Pois fiquem sabendo que a corrupção não se define como roubo. Questão nuclear: não é roubo.
Há três tipos de corrupção: na sociedade, no indivíduo e no corpo. E corresponde a três graus de consciência.
Certo que o corpo se corrompe e acaba como lixo, lama, adubo. Ninguém duvida.
Um filósofo, de nome Gaspard Koenig, avança na tese que a corrupção é a vida, que todos o sabem e o compreendem, “que devemos em grande parte à corrupção, o equilíbrio que introduz entre os desejos de todos, a prosperidade de ontem e o crescimento de hoje”. Assim mesmo.
Num volume de 280 páginas, “As discretas virtudes da corrupção” – Grasset, Paris, Koenig explica, cinicamente? …, que uma sociedade purificada, virtuosa, sem corrupção, estiola irremediavelmente, aborrece-se e morre.
Mais pobre e maldita.
Tudo isto recolhido no “Le Monde” de 31 de Outubro.

Vasco de Castro

Morte não é anomalia, anomalia é não pagar a renda de casa



A morte de José aconteceu em Poissy.

Poissy lembra imediatamente Peugeot, o grupo PSA Peugeot Citroen. Uma cidade na cidade: 180 hectares onde se fabricam 1500 automóveis por dia, onde trabalham 12 mil assalariados.
Ao redor, as torres e as bandas de alojamentos sociais HLM para os operários da fábrica, desterrados dos quatro cantos do mundo. De premeio muitos imigrantes portugueses.
Poissy é um recanto industrial pardacento situado a 30 km de Paris que lembra imediatamente os emigrantes portugueses atrelados dia e noite as cadeias de montagem automóvel.
A morte do José aconteceu em Poissy. José Gomes Macedo, 62 anos. Pelos vistos não trabalhava na Peugeot, mas nas obras. Era um operário reformado da construção civil.
Vivia sozinho, abandonado de tudo e de todos. “Era um homem discreto, falava pouco e ouvia mal”, disse à imprensa um vizinho de origem magrebina, habituado a trabalhar com outros portugueses. Alertados por um telefonema anónimo, os bombeiros foram encontrá-lo sentado num cadeirão. Estaca mumificado. Morto há mais de dois anos, sem que alguém desse por ela. Os vizinhos bem se tinham queixado que cheirava mal no patamar do andar. Mas, ora ora! Isso de cheirar mal no patamar de uma banda HLM para emigrantes … num arrabalde da cidade … não interessa nem ao menino Jesus. Depois, com o tempo, o mau cheiro acabou por desaparecer … a família daí e daqui, habituada ao silêncio, não estranhou … um silêncio a mais ou a menos, qual é a diferença? Para pouca sorte do José, o homem era um bom pagador. A renda, paga por transferência bancária automática, caía certinha nas caixas do gestor do grupo imobiliário social da cidade. De modos que tudo batia certo.
Não havia, portanto, anomalia com o José. Anomalia só há com aqueles que não pagam a renda. Então sim, a pessoa poderá alarmar a sociedade. Vivemos uma época formidável!
Aconteceu em Poissy a meados do mês de Outubro de 2009.

MV

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Útlimas da Manjedoura

Os senhores Vara , Penedos e não sei quem mais … foram imprudentes, é um facto. Apanhados com a boca na botija, vão pagar sério por isso.
Mas deixem-se de hipocrisias! Cresceram assim, seguiram as regras, não inventaram nada.
Somos todos assim ou quase.

Vasco de Castro

O pau mandado

Tu vais ver como elas te mordem (disse para o botão esquerdo). O Gustavo era acima de tudo um bandido. Ninguém entendeu a importância de ser um bandido de 4ªs e 6ª feiras. Homem normal e evidente no resto dos dias, homem corriqueiro de poucas falas e negócio aluado. Gustavo, o homem. Tão plausível como um honorável estafermo mas de quem a maioria (pouco esclarecida) dizia «é bom homem, não faz mal a uma mosca». Mas o pior é que fazia, um mestre ourives da pequena velhacaria doméstica perito em admoestar mulher e filhos (por inverso ao papel do pajem de patrão) com subtilezas assadas e cozidas tais como assim: «Gustavo levanta o cu da cadeira e vai pôr a mesa (…) Tavinho vai dar banho aos meninos; Gustavo hoje não, desculpa, amanhã, mais logo, daqui a nada, é que estou outra vez com o maldito quebranto, tu sabes, tu conheces-me». E ele, umas e outras vezes, vigilante e medonho como a calma dentro da tempestade, vociferava «Já vou, já faço (cala-te cabra)» e nunca ia e nunca fazia, sempre o plácido e bisonho Gustavo.

Uma tarde mansa, terceiro dia de férias estivais, levantou o rabo da cadeira ao terceiro pedido insistente e cravou umas dúzias de facadas (com navalha de pau) nos costados da mulher. Saiu então porta fora até à esquadra volante da Praia da Rocha. Entregou-se como um inocente acometido de assomos de dignidade incontroláveis. Estava o pobre farto de ser pau mandado (e sem poder usar o pau).

Tiago Salazar

O capitel

Não se sabe ao certo quando António perdeu a coluna vertebral. A versão oficial justificou a venda do órgão, ou melhor, do osso (e suas ramificações) para custeio das quotas do partido. E o custeio é sempre um motivo válido, sobretudo o de um partido. Por seu turno, a versão lateral – talvez menos rigorosa, mas não desprezável de todo – pôs a circular um motivo etrusco. A disse a b que tinha ouvido de c que ouvira de d em conversa com e, quando este se fazia acompanhar de f que fora tudo devido a um dilema. António depois de muito pensar, e António via virtude no pensamento, achara falta de aplicação do osso (e suas ramificações) na anatomia. E se podia fazer bom negócio, e para mais de forma lícita, porque não vendê-lo no mercado negro onde nem os falos empalhados de aborígenes chegavam a tão elevada quantia? Com o tempo esta versão implantou-se e passou aos anais, onde foi muito bem-vinda, tendo um revisionista anotado, em síntese, que a coluna de António, depois de descoberta num altar da ilha de Gozo, lhe lembrava um capitel carolíngio de tão enfezada e carcomida.


Tiago Salazar