segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O pau mandado

Tu vais ver como elas te mordem (disse para o botão esquerdo). O Gustavo era acima de tudo um bandido. Ninguém entendeu a importância de ser um bandido de 4ªs e 6ª feiras. Homem normal e evidente no resto dos dias, homem corriqueiro de poucas falas e negócio aluado. Gustavo, o homem. Tão plausível como um honorável estafermo mas de quem a maioria (pouco esclarecida) dizia «é bom homem, não faz mal a uma mosca». Mas o pior é que fazia, um mestre ourives da pequena velhacaria doméstica perito em admoestar mulher e filhos (por inverso ao papel do pajem de patrão) com subtilezas assadas e cozidas tais como assim: «Gustavo levanta o cu da cadeira e vai pôr a mesa (…) Tavinho vai dar banho aos meninos; Gustavo hoje não, desculpa, amanhã, mais logo, daqui a nada, é que estou outra vez com o maldito quebranto, tu sabes, tu conheces-me». E ele, umas e outras vezes, vigilante e medonho como a calma dentro da tempestade, vociferava «Já vou, já faço (cala-te cabra)» e nunca ia e nunca fazia, sempre o plácido e bisonho Gustavo.

Uma tarde mansa, terceiro dia de férias estivais, levantou o rabo da cadeira ao terceiro pedido insistente e cravou umas dúzias de facadas (com navalha de pau) nos costados da mulher. Saiu então porta fora até à esquadra volante da Praia da Rocha. Entregou-se como um inocente acometido de assomos de dignidade incontroláveis. Estava o pobre farto de ser pau mandado (e sem poder usar o pau).

Tiago Salazar

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